19.6.24

Sessão dupla: Seconds + Lost Highway

Quando dois filmes conversam entre si com 3 décadas e 24 horas de distância.

Outro dia assisti a O Segundo Rosto (Seconds, 1966), de John Frankenheimer, no dia anterior reassisti (pela sexta vez, eu acho) Estrada Perdida (Lost Highway, 1997), de David Lynch, e além de dois filmaraços eu pude assistir também a uma conversa entre eles.

Dois filmes que iluminam a falência do homem branco, entre três milhões de coisas cada. A masculinidade financiada pelo capitalismo patriarcal engasgando na sua mesquinhez e sombra de onipotência. É isso aí mesmo, o homem branco, o sujeito-base de toda ficção - pois todo o resto da complexidade humana é nicho de mercado - enfim descobre que o buraco é mais embaixo.

Dois filmes sobre um homem que quer ser outro. Ele é capaz de abdicar da vida para fugir eternamente dos efeitos dos seus atos e perseguir até o infinito a ilusão da liberdade do homem feito pra ser sozinho e calado, viver uma não-vida, uma vida estética dentro da própria cabeça. Uma vida virtual.

Cartazes tirados do Letterboxd, lá editados sem mais informações além dos nomes dos filmes. As informações (nome de quem dirige, elenco, letrinha miúda) são parte essencial, pra mim, do cartaz de filme, mas escolhi essas versões por serem, em sua síntese, ilustrativas pra breve análise que farei acá

Sobre os convites da festa:

Lost Highway dispõe dois rostos sem olhos. A escuridão sobre a luz, e suas bocas: o que eles dizem (ou não dizem), o que eles trazem, não o que aconteceu. Não vemos algo que acontece, mas a ponte para sabermos alguma versão do que acontece. Num cartaz sem olhos, os olhos são os nossos. E o olho é a lente de uma câmera. 

Seconds nos coloca na cena como uma mosca, frágil, infiltrada, o formato circular da lente olho de peixe é como um espelho da nossa íris. Nos veste a roupa de voyeur frente a uma cena violenta. Nos torna impotentes, atados, falar não adianta: vemos a cena ou estamos nela?

Curioso notar a escolha de tipografia dos dois cartazes. Um amarelo-placa de trânsito, objeto que carrega uma mensagem, que é efetiva ao ser vista. Uma linha vazada na vertical indica que as letras são uma construção, como chapas de metal ou ferro. Estão presas em algum lugar ou foram pintadas através de um stencil. Como um letreiro ou a sinalização da estrada. Uma estética industrial-urbana, rodoviária, algo de fabril, algo de máquina.

Um comentário:

  1. adorei! o saber inconsciente que leva a escolher os dois filmes em 24 horas e o saber consciente com que você coloca tudo isso em diálogo. fascinante a leitura dos cartazes.

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